13 de outubro de 2010

Entrevista com Mavilde Pedreira sobre Segurança do Paciente

"Embora não-intencional, todo erro é evitável, por isso ratifico que é preciso criar mecanismos para tornar o 'fazer certo' muito mais fácil do que o 'fazer errado'. E esta iniciativa também depende de nós enfermeiros". Foi com este comentário que a Doutora em Enfermagem Mavilde da Luz Gonçalves Pedreira, Professora da Unifesp, Pesquisadora CNPq e Assessora da CAPES e do Coren-SP, encerrou uma de suas diversas palestras ministradas sobre Segurança do Paciente.

Segurança do Paciente é uma questão de grande relevância para gestores de instituições públicas e privadas e a enfermagem tem papel fundamental no sentido de torná-las mais seguras e menos arriscadas. Esta preocupação tornou-se assunto de relevância crescente em todo o mundo nos últimos anos, tanto que, em 2004, a Organização Mundial de Saúde (OMS) lançou a Aliança Global para a Segurança do Paciente (World Alliance for Patient Safety), iniciativa global em prol da melhoria da segurança do paciente em virtude do número alarmante de que 40 a 90 mil pessoas morriam a cada ano nos Estados Unidos em circunstâncias passíveis de medidas de prevenção.

Professora Mavilde explica que um deslize, uma falha que aparentemente é apenas um detalhe, pode fazer a diferença entre a vida e a morte de quem é cuidado e que, atualmente, o desejado é que se entenda o erro como consequência de uma série de problemas do sistema, e que a busca por implementar medidas de correção e prevenção sejam prioridade, e não apenas a punição de quem comete o erro. "É comum ouvirmos primeiro a pergunta "Quem fez isso", e o que deveríamos ouvir seria "Como isso aconteceu?", "Quando isso aconteceu?" e "Por que isso aconteceu?" É esta mudança de cultura que poderá promover assistência à saúde mais segura à população".
Ela encerra um gostoso bate-papo com a célebre frase de São Francisco de Assis, que representa a essência do cuidado - "Comece fazendo o que é necessário; depois o que é possível, é de repente você estará fazendo o impossível".

Os erros em saúde ocorrem devido a quais fatores?
Erros humanos acontecem eminentemente por falhas de um sistema e não por culpa de um indivíduo isoladamente. Estas falhas podem ter relação com diversos fatores que envolvem desde questões de abrangência governamental e dos gestores de políticas públicas ou institucionais até falhas no processo de educação à qual o profissional foi submetido. Entre um e outro, podemos ainda afirmar que erros na saúde ocorrem por problemas culturais, por má qualificação profissional, por falta de especialização, educação permanente e até mesmo habilidade, falta de comunicação entre os profissionais da saúde, falta de recursos. Mas também ocorrem erros por sobrecarga de trabalho dos profissionais, principalmente da enfermagem, ausência de protocolos e de processos de trabalho com vistas ao alcance de um bom atendimento em saúde e para o bom andamento de uma instituição. E erros podem advir também da falta de comunicação com o próprio paciente, quando não se capacita o mesmo para o auto-cuidado e o torna agente de promoção de sua própria segurança.

Professora Mavilde, a senhora poderia nos dar alguns exemplos de erros que ocorrem por conta do próprio paciente?
Pacientes devem ser o centro do cuidado prestado por profissionais de saúde. Para tanto devem entender sobre o seu diagnóstico e os tratamentos e cuidados que precisam receber para se restabelecerem. Pacientes adequadamente preparados para lidar com suas necessidades de saúde são a principal fonte de prevenção de erros em saúde. Por outro lado, quando não são partícipes de seus planos assistenciais, quando não adequadamente preparados para saber quais os cuidados que devem receber podem ser vítimas de eventos adversos evitáveis.

E quais são os principais relacionados à assistência de enfermagem?
A força de trabalho da enfermagem é de aproximadamente 15 milhões de profissionais de enfermagem no mundo. É o maior grupo de profissionais que presta cuidado direto e ininterrupto aos pacientes. No Brasil, a enfermagem está representada por cerca de um milhão e meio de profissionais, sejam eles auxiliares e técnicos de enfermagem, e enfermeiros. Como enfermeiros, para cuidarmos de seres humanos termos que nos manter constantemente atualizados para prescrever cuidados fundamentados em evidências científicas e que se adéqüem as necessidades e preferências do paciente e família em um ambiente de prestação de assistência à saúde cada vez mais complexo. Quanto mais complexa a atividade humana, mais riscos inerentes há.
Fatores que envolvem o ambiente de trabalho, as condições de excesso de rotinas e burocracia, a falta de protocolos baseados em evidências científicas que respaldem a prática, associada à atitude dos gestores e profissionais de saúde têm relação com a ocorrência de erros em saúde e a falta de implementação de medidas de prevenção. Dentre estes danos, podemos citar como os mais amplamente identificados em instituições que não possuem o número adequado de profissionais de enfermagem ou não lhes proporcionam adequadas condições de trabalho às infecções hospitalares, quedas, erros de medicação, úlceras por compressão, dentre outros.

A senhora frisa que o erro pode advir do não-atendimento de uma necessidade humana básica. Poderia nos dar um exemplo?
Sim, posso dar inúmeros exemplos, como o de um senhor que precisava de comadre. Ele estava no quarto ao lado de um paciente que teve um bloqueio atrioventricular em um hospital que contava com número de profissionais reduzido no plantão noturno. Ele tocou a campainha para pedir a comadre, e a profissional, ocupada, disse que voltava em alguns minutos para atendê-lo, pois precisava atender o paciente em situação de emergência no quarto ao lado. Passaram-se alguns minutos e ela não voltou. Observando a correria da equipe médica e de enfermagem, o paciente tentou se levantar para ir ao banheiro sozinho. Ele acabou caindo e fraturando o fêmur, teve que passar por uma cirurgia contraiu uma infecção e veio a óbito por sepse.Tudo por que ele precisava de uma comadre.

Por muitos anos era tabu falar sobre erros no sistema de saúde. Quando este assunto começou a ser discutido abertamente?No final dos anos da década de 1990, estudos mostraram que nos EUA, o país mais rico e que mais investe em saúde do mundo, o que não se traduz verdadeiramente em qualidade, a cada ano entre 40 mil a 90 mil norte-americanos morriam por erros por danos relacionados a erros. Estes estudos apontaram que erros na saúde representavam a oitava causa de morte nos EUA. Não apenas os profissionais de saúde ficaram assombrados com estes dados como também a população. Jornais começam a soltar manchetes como "Erros em saúde acontecem e matam milhares de norte-americanos". A mídia levou ao conhecimento da sociedade americana que existiam erros instituições de saúde e que era preciso haver mudanças urgentes.

E o que mudou de lá para cá?
Varias áreas da saúde evoluíram muito, como é o caso da anestesia. Tempos atrás, muita gente morria de eventos adversos decorrentes da anestesia e isso fez com que esta área fosse revista no mundo todo. Hoje, existe uma padronização das condições de infra-estrutura mínima para a realização de procedimentos anestésicos, uso de processos de cuidado, como o escore o ASA da Academia Norte-americana de Anestesiologia e todo profissional precisa ter o título de anestesista, sendo este revalidado periodicamente. Outra mudança de paradigmas na segurança em saúde se deu nos bancos de sangue com o advento da Aids.

Qual a sua opinião sobre o advento de certificações da Qualidade no Brasil com iniciativas da ONA, Joint, Iso, CQH. A senhora acha que isso contribui para que a instituição tenha maior preocupação com a segurança de seus pacientes?
Com certeza, a implantação de medidas que melhorem a qualidade das instituições de saúde, produzem infraestrutura e processos assistenciais capazes de contribuir para a realização de práticas mais seguras. Contudo as pessoas devem ser valorizadas como as principais ferramentas para a promoção de práticas seguras.

O que é a cultura de segurança de uma organização?
Erros acontecem, e uma cultura de segurança implica em ter a prevenção de erros como prioridade para todos, gestores, lideranças, profissionais e pacientes. A primeira coisa é ter em mente que para haver mudança dos liderados é preciso que a liderança tenha como meta tornar o ambiente de prestação de assistência mais seguro ao assumir que é de alto risco. Sendo de alto risco, o erro é passível de ocorrer. Documentar os erros, analisar suas causas sistêmicas, gerar medidas de discussão em equipe sobre o tema, identificar soluções e tecnologias capazes de prevenir sua recorrência de maneira constante e compartilhada com o paciente e família é o que promove a criação e sustentação de uma cultura de segurança.

Atualmente a cultura é de intimidação frente ao erro. Quais são os fatores que geram essa intimidação e quais as suas conseqüências?
Hoje essa cultura esta presente por que é muito mais fácil atribuir um culpado do que mudar todo um sistema de prestação da assistência. Assim, ao invés de termos uma cultura de segurança vigente no sistema de saúde, temos ma cultura de punição, que busca atribuir culpados por falhas eminentemente resultantes de sistemas mal estruturados e desenhados.

Qual a diferença na segurança entre hospital público e privado?
Não se pode distinguir a presença ou não de segurança para o paciente, segundo o tipo de instituição. Há instituições públicas muito mais seguras do que privadas, e vice-versa. A falta de infra-estrutura para o exercício adequado da profissão, bem como, a falta de definição de políticas institucionais que evidenciem o bem do paciente como foco de toda a atividade desenvolvida são os principais indicadores de existência de práticas inseguras. Outra questão é a valorização do profissional. Instituições que não valorizam os profissionais de saúde fornecendo boas condições de trabalho, sejam elas públicas ou privadas, podem comprometer a segurança do paciente.

Como a enfermagem pode garantir a segurança do paciente?
Em qualquer local no mundo, a enfermagem representa o maior contingente de profissionais e em hospitais são os que permanecem na assistência em tempo integral, todos os dias da semana, todas as horas do dia. Assim, é dela a responsabilidade de realizar a maior parte das ações do cuidado e promover a qualidade da assistência à sociedade. Por estarem nesta posição, os enfermeiros podem, quando em numero e capacitação apropriados, como evidenciado em vários estudos, prevenir erros ou detectar precocemente qualquer tipo de complicação e eventos adversos. É nossa missão promover assistência à saúde com foco nas necessidades individuais e integrais de cada individuo. Os profissionais da enfermagem precisam ter a consciência de sua relevante função na prevenção de erros durante a prestação da assistência, também devemos mostrar nosso valor como membros da equipe multiprofissional de saúde para toda a sociedade. Por isso é tão importante a enfermagem colocar este assunto em debate e buscar soluções que garantam uma assistência mais segura.

Prevenir ainda é a melhor forma de evitar erros em saúde?
Ter em mente a cultura da prevenção é ponto fundamental para qualquer questão que envolva a saúde. Diminuir a probabilidade da ocorrência do erro exige mudança de paradigmas e de cultura tanto do governo, como das organizações de saúde e dos profissionais. No que tange à prevenção de erros, diminuição de riscos e à segurança do paciente, é premissa fundamental a prevenção. Ações como melhorar a comunicação e, principalmente, a comunicação com o paciente e seus familiares/acompanhantes, identificar o paciente, uso de protocolos, dupla checagem, check-list, somente executar prescrições claras e nunca se houver dúvidas, documentar a sistematização da assistência de enfermagem no prontuário, contribuem para a promoção da segurança do paciente.

Quais são as metas internacionais para a segurança do paciente?- promover adequada higienização das mãos
- identificar os pacientes corretamente;
- promover comunicação efetiva (prescrições/exames diagnósticos);
- melhorar a segurança na medicação;
- programar medidas de promoção de segurança nas cirurgias;
- reduzir o risco de adquirir infecções;
- reduzir o risco de lesões decorrentes de quedas, dentre outros

O que falta para o Brasil proporcionar mais segurança aos seus pacientes?
Para promover a segurança do paciente no Brasil é preciso implementar verdadeiramente, de maneira constante e equânime as premissas que regem o SUS. Devemos saber que o direito a assistência à saúde qualificada e segura é direito de todo o brasileiro. A busca de assistência à saúde mais segura é, portanto uma questão de exercício da cidadania, quer seja pelo profissional de saúde, quer seja pelos governantes, gestores e usuários. É preciso saber que em saúde o que mais importa são as pessoas, que recebem e prestam cuidados. Tornar o sistema de saúde mais seguro significa criar políticas e mecanismos capazes de contribuir para que o profissional de saúde possa usar o máximo de sua capacidade e competência para atender a necessidade de saúde da população, sendo que a população tem o direito de ter suas necessidades em saúde atendidas, respeitando seus valores e preferências, de modo equânime, eficaz, eficiente, oportuno e seguro.

Mavilde da Luz Gonçalves Pedreira é Enfermeira, Doutora em Enfermagem pela Universidade Federal de São Paulo Unifesp, Especialista em Pediatria e Puericultura pela Escola Paulista de Medicina; Vice-Coordenadora do Programa de Pós-Graduação, níveis mestrado e doutorado, da Escola Paulista de Enfermagem da Unifesp e Pesquisadora do CNPq.

2 de outubro de 2010

9 Soluções para a segurança do paciente

Acesse o link e veja as 9 Soluçoes para segurança do paciente -

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Centro Colaborador da OMS para Soluções de Segurança do Paciente

Nenhum evento adverso deve acontecer no mundo se o conhecimento existe para impedir que isso aconteça.

No entanto, esse conhecimento é de pouca utilidade se não for colocado em prática.

Traduzir o conhecimento em soluções práticas é o fundamento último da zona de acção de segurança soluções da Aliança Mundial para Segurança do Paciente.

A finalidade básica das soluções é orientar o "re-design" de processos de cuidados para evitar que erros humanos sejam evitáveis não atingindo pacientes.

Patient Safety Solutions são definidas como:

"Qualquer projeto de sistema ou de intervenção que tem demonstrado a capacidade
para prevenir ou atenuar o dano paciente decorrentes dos processos de cuidados de saúde.